Porto – Trindade rima com solidariedade

Quando o poder está assustado, como sempre, manda os seus cães de guarda vigiar o rebanho, não vá alguma ovelha querer sair do estabelecido. E o dia 2 de março, apesar da esmagadora importância simbólica que teve, correu na normalidade que o sistema consegue manobrar. Ou seja, as manifestações massivas que ocorreram ontem a exigir a demissão deste governo são imediatamente amansadas pelos meios de comunicação social, que vão tentando fazer esquecer a voz da vontade popular, passando para primeiro plano o futebol ou enganando-nos com outros fait-divers para nos distrair da nossa condição humana.

Enfim, não será nos média que vamos mudar o que quer que seja, mas sim nas ruas, nas solidariedades quotidianas e no poder que nos pode unir. E é sobre isto que quero reflectir. Sobre o que aconteceu ontem na Trindade ao fim da manifestação.

Numa manifestação que corre sem incidentes, qualquer motivo é bom para denegrir a imagem dos manifestantes, para isso se faz um investimento policial grande, metem-se infiltrados no meio para perseguir pessoas mediaticamente perigosas, vulgo anarquistas (à falta de terroristas). E assim foi. Essas pessoas perigosas, regressando a casa foram rodeadas pela polícia, para identificação, para serem amedrontadas, para que o poder possa mostrar que nos pode esmagar. Assim foi na última Greve Geral, as imagens que passam para o resto do país são as do papá estado a dizer às suas criancinhas que não sejam insolentes senão levam. Mas as crianças insolentes crescem e ganham força e dignidade e o que aconteceu ontem na Trindade foi prova disso.

Éramos cerca de 20, cercadas por 40, 50 polícias, armados de ódio suficiente para nos espancarem ali, deterem-nos, assustarem-nos. Mas chegaram mais pessoas, armadas de coragem e solidariedade, que se indignaram a sério perante aquele sequestro em plena via pública, perante aquela injustiça. Os gritos de um lado e do outro da barricada foram dissolvendo o cordão policial e o desespero dos agentes levou-os a duas detenções à pressa (segundo a PSP, enganaram-se nas pessoas?!?!) o que originou um grito de BASTA!! Não se prendem pessoas assim, não somos gado, não somos rebanho, somos humanos e somos fortes. E a raiva crescia nos nossos corações e as pessoas juntaram-se desta vez, ninguém fugiu, uniram-se, empurraram a polícia, polícia de choque, seres humanos treinados para bater, desumanizados.

O que aconteceu a seguir é de uma satisfação colectiva inesquecível, era vê-los a meterem-se pelas carrinhas dentro, empurrados pela nossa vontade. Foram-se embora, levaram dois companheiros, fica o convite para as pessoas que ajudaram a expulsar a polícia de nos seguirem para a esquadra. Quando prendem pessoas que lutam pela nossa liberdade, não se pode abandoná-las.

Mas fica a alegria de saber que temos força solidária quando queremos, que temos coragem suficiente para não baixarmos a cabeça perante as injustiças, que demita-se ou não se demita o governo, uma grande vitória ontem foi o estilhaçar um pouco do medo que nos querem impor. Estamos a rompê-lo, como a brava senhora de meia idade que rompe o cordão policial e passa para o nosso lado, para o lado de quem estava a ser oprimido. Simbólico e um exemplo do que deve ser o nosso dia a dia, do que devem ser os nossos dias, romper barreiras.

Fica essa esperança, esse agradecimento a quem ia para casa e nos ajudou, essa alegria de saber que quando quisermos venceremos.

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